sábado, dezembro 08, 2007

Borracha no papel.

Tudo é mais fácil quando se pode apagar o que não interessa mais.

sábado, dezembro 01, 2007

As últimas horas

Gustavo - O caminho para casa é sempre mais longo quando se tem fome. Os carros demoram mais a passar, numa fila interminável na avenida cinza, de árvores coloridas enfileiradas - e mesmo assim a avenida é tão cinza...Agora - não tem carro vindo - corre - atravessa. Freada brusca, o carro derrapa na calçada. Gustavo parado mais a frente, mão no peito, desentendendo o que aconteceu, o que diria pra mãe (Quase fui atropelado porque não olhei pros dois lados - Eu sempre te disse pra sempre olhar pros dois lados, menino tolo! Quase morre!). Sai com a cabeça abaixada, olhando de viés a rua, como se pudesse ir preso por quase ter morrido.
O caminho pra casa é sempre mais curto quando se tem alguma coisa que não se quer contar, mas deve. Gustavo chega em casa, a mãe no sofá, o gato no tapete. Persa - o gato ou o tapete? O gato. Não eram ricos - A mãe olha o garoto passar batido jogando logo a mochila na cama e voltando pra sala. Senta no outro sofá, sem olhar pra mãe. A mãe saca e pergunta então: O que que te aconteceu?; Nada, ele responde; a mãe: porque essa cara então?; Gustavo: quase fui atropelado na avenida; a mãe quase histérica: como isso?; Gustavo amedrontado, falando pra dentro: desci sem olhar pros dois lados, veio um carro na contramão e por pouco não fui - a mãe se põe nervosa, com a mão na cabeça. Foco no gato, que olha indiferente a cena trágica. A mãe chora e grita: quantas vezes te falei? Por falta de falar não foi, né? Quase morre e me mata!...
Gustavo: .... Dá de ombros. pergunta: que tem de almoço? A mãe continua se lamentando. O garoto desiste e vai pra cozinha, faz um prato de virado com salada de alface mais o frango do dia anterior, domingo, sempre passa rápido. Cacete! Lembra do que se esqueceu; pegar a ficha do trabalho de escola na casa do Josias. Josias sai pra trabalhar ao meio dia, agora já falta só dez minutos pra hora. Gustavo: Mãe, vou na rua de trás pegar um negócio na casa do Josias. A mãe, sarcástica: olha pros lados. Gustavo bate a porta.
Na rua passa o Fox vermelho, todinho, deslizando no asfalto maltratado. Dois segundos o garoto olhando, a brasília (sem cor de tão velha) acerta em cheio a perna que sustentava o corpo. Gustavo estatela no chão, o carro termina de passar por cima, magoa os músculos todos, estoura vasos, espalha sangue na rua; vermelho o sangue, o Fox. Que continua seu caminho.