segunda-feira, março 28, 2016

Reconhecer-se

Não [me] vê, não enxerga. É claro que não, está autocentrado, não perceberia a menos que tivesse seu nome, pois é só o que lhe diz respeito. 
Não me vê como pessoa, mas como instrumento; espera alcançar respostas, explicações, conhecimento, coisas que não darei porque não tenho. Se as tivesse, não seria eu. 
Não vê meu corpo, só quer ver-se refletido na foto, sua beleza, seu corpo, sua inteligência. 
Não me lê, me ouve o quanto interessa. Quer aplausos, reconhecimento; reconhecer seu esforço surgindo nos músculos, nas palavras. Espera brevemente meu aval para seguir adiante, e sigo sendo a que faz a passagem. Não me proponho a fazer a elevação intelectual de ninguém; sequer poderia, nem mesmo se eu quisesse. Olhe ao menos um pouco pra mim: veja a confusão, a ausência de profundidade, a tentativa ainda não-plena. Sou ainda um projeto de algo que não sei, de algo que não (se) sabe. Estou a caminho, e chegando lá já não serei eu, portanto já não serei eu contigo, nem sei se estarei contigo, se é que estou agora. Me perguntaram dia desses:
O que significo pra você?
A pergunta me calou um pouco. Não tive resposta pronta, imediata. Mas disse uma verdade: o Outro me significa algo que pode também não ser. Fosse eu solenemente ignorada nas minhas futuras investidas por um de meus parceiros, certamente sofreria, quiçá choraria um pouco, mas a vida seguiria como sempre seguiu. Acho que o Outro ainda não pertence à minha essência senão enquanto nome e entidade, por isso posso ser sem ele. Como fui por tanto tempo, e potencialmente o serei. Ou o Outro é e deve ser por isso mesmo Muitos. Ser livre ainda me soa o estar-consigo-mesmo-no-outro, mas o Outro ainda é abstrato.  

sábado, março 26, 2016

Cem anos de solidão

Seria a história fantástica de Macondo a própria história do mundo? Me alertam que seria uma história muito mais particular, a da América Latina. A história de como os homens descobrem a guerra, a morte, a política e as leis, a arte, a magia e a ciência; de como ocupam a terra, nomeiam as coisas; de como todos vêm da mesma família, gerada em outra família e em outro lugar, mas reinstalada para fugir de uma existência fundando outra existência a princípio autônoma mas frequentemente oscilante entre degenerada e criativa, subsistente e carente do exterior para se refundar. Uma história contada a princípio sem propósito, fluida, narrando eventos absurdos. O quanto de nossa história não soa absurda aos outros? 
Não estou nem na metade mas já me cerca uma beleza inesperada. 

segunda-feira, março 21, 2016

Depois de um ano

"O amor é sexualmente transmissível.

Não adianta explicar. Você não vai entender.
Às vezes, como num sonho, vejo o dia da minha morte. É uma coisa meio espírita, um flash. E, embora a mulher não apareça, sei que é por causa dela que estão me matando. E tenho tempo de saber que não me deixa infeliz o desfecho da nossa história. Terá valido a pena"

domingo, março 20, 2016

Coletânea

Meu bem, hoje você faz 25. Te agradaria uma surpresa, eu ando sem tempo nem paciência pras surpresas agendadas, mas essa deu gosto: separei trechos, recortes de livros - relevantes, meus preferidos, desconhecidos, tocantes, simbólicos. Juntei tudo num caderninho novo pra você não se esquecer de escrever também. Leia e escreva, anote as belezas do seu dia, seus medos, suas impressões, suas mudanças. Tenho feito isso com meus sentimentos: com a sensação de urgência política, com a confusão dos dias, com o ciúme que há tempos eu não via. Parei, escrevi, entendi que o ciúme não tem a ver com ninguém, não tem a ver com aquele cara que estou conhecendo e que é mais experiente, nem contigo e com nosso tipo de relação, nem com nenhuma das pessoas que passam pela minha vida e passarão. Tem a ver comigo e com minha insegurança emocional, com a minha necessidade de reestabelecer uma relação boa comigo mesma, de redobrar a confiança no meu trabalho, na minha escrita, no futuro que planejo, de administrar melhor meu tempo. Isto passa também pela necessidade de reestabelecer uma boa relação com o corpo, afinal, é através dele que faço: trabalho, cozinho, escrevo, me alongo, me coloco em "repouso" ao dormir, tenho prazer, tomo minhas cervejas, cuido das plantas. Descubro o mundo. Crio minha vida. Meu presente é um estímulo para que você não se esqueça de produzir - intelectualmente.  

Ação, fazer

Estive no ato ontem. É importante o posicionamento público, embora eu prefira prescindir da perniciosa figura do herói falando às multidões. Penso bastante no depois: o que tem sido feito além da ação performática? Li num artigo* dia desses sobre o quanto a esquerda adotou a ação performática - o ato, o protesto - como seu campo e retrocedeu nas ações cotidianas, na militância do dia a dia, na construção, no desenvolvimento. O funcionamento não deve ser só no espetáculo, é preciso reinventar a atuação em tempo, espaço e ação, estas unidades canônicas. Vamos às ruas, cabelo ao vento, gente jovem reunida, encontramos os nossos, os ânimos são reaquecidos, o medo de um golpe - que soava tão conspiratório - dá uma trégua. Mas particularmente falando voltei para casa sem a certeza de que fiz algo cuja duração seja maior que uma noite, que uma performance. 
O ganho, me parece, é a discussão. Política não deve ser algo acontecendo "lá", "lá fora", "lá em cima", pois é a parte da vida, é construção coletiva.

* http://lavrapalavra.com/2016/03/02/acao-performatica-a-politica-revolucionaria-entre-a-depressao-e-o-extase/


segunda-feira, março 14, 2016

Be soft. Do not let the world make you hard. Do not let the pain make you hate. Do not let the bitterness steal your sweetness. Take pride that even though the rest of the world may disagree, you still believe it to be a beautiful place.

sábado, março 12, 2016

A entrevista de Neil Gaiman; para um bom domingo

Da entrevista de Neil Gaiman para o Buzzfeed, traduzida e adaptada pelo Homo Literatus:
"...quando eu era criança, encontrar quem gostasse do que eu gostava e pensava como eu pensava e lia o que eu lia e poderiam ter me recomendado algo que eu pudesse ter amado era como entrar em um tubo mágico de sonhos [...] Por outro lado, também significa que essas pessoas estão apenas falando e ouvindo umas as outras [...] Para mim, o que é sempre importante para escritores é a alegria de encontrar outros pontos de vista e ver coisas por outros olhos. Para ter não apenas o direito, mas o poder de olhar algo e dizer 'isso que você está fazendo e dizendo é maravilhoso', ou 'isso que você está fazendo e dizendo está errado', ou 'isso que você está fazendo e dizendo é algo de seu tempo e você provavelmente não pensaria ou diria isso hoje'. O melhor dessa experiência é a sensação de “você não sou eu, e estou vendo e minha visão de mundo está mudando”. Em que mundo triste viveríamos, se as únicas pessoas cujas ficções eu pudesse ler, cujas poesias eu pudesse experimentar, cujas músicas eu pudesse cantar, fossem pessoas que pensassem e imaginassem exatamente como eu. Quero diversidade de pontos de vista em todas as formas, e isso incluí o interior de outras cabeças. É maravilhoso. Outras culturas, outros lugares. Temos que ir lá. Temos que experimentar isso".

Notar: a importância da diferença. A pertinência obstinada no mesmo, na repetição, como forma de reforço daquilo que se pensa e diz, acaba por ocultar o outro e sua voz e nos priva de um rico mundo esperando por ser encontrado.

Em outra editoria, mais leve, topo ainda com essa beleza do Alcides Vilaça para imaginar não só um bom domingo - eis como imagino a vida.:
"Venha em casa domingo. Algum macarrão sempre tem. Vinho também. Depois da sesta podemos dar uma espiada nuns poetas: procurando, acha-se alguma coisa que ajuda a viver, sobretudo entre aqueles que dizem não valer a pena. Ao anoitecer, faço um café bem forte pra tomar perto da janela e ficar contando umas histórias pra te distrair. Depois que nos despedirmos acompanho você com os olhos até virar a esquina. Entro e vou ouvir alguma coisa bonita, que soe bonito num domingo terminando. A vida pede que vivamos com calma seu jeito de ser mais simples".

terça-feira, março 08, 2016

Mulher

A romantização da mulher forte, guerreira e determinada serve muito bem à sociedade que nega direitos, quase a ponto de justificar que a gente tenha mesmo que se desdobrar na vida porque naturalmente seríamos assim, feitas para suportar a dor e o peso do mundo. Tenho um orgulho absurdo das mulheres da minha vida: avós, mãe, irmãs, amigas, parceiras ou figuras longínquas que admiro, mas eu preferiria sentir orgulho só das conquistas e das histórias positivas e não porque sobreviveram a tentativas de assassinatos, abusos, assédios de toda sorte, ou porque criaram filhos sozinhas ou em guardas compartilhadas ilusórias, ou porque faziam três turnos pra dar conta das coisas, ou porque ilustram as estatísticas de uma denúncia a cada 7 minutos, ou porque abandonaram seus sonhos para ser o alicerce de alguém. Quero que sejam lembradas pelas escolhas e porque tiveram escolhas, porque foram o que quiseram e não o que tiveram de ser. Um ano inteiro de descaso para um viva às "super-mulheres" - e passada a data e as flores, há o retorno ao esquecimento, ao apagamento, à exclusão do mercado de trabalho ou aos subempregos, ao isolamento no exercício da maternidade, aos relacionamentos que minam a autoestima. Que a luta e a força sejam características nossas quando - e se - a gente quiser.

segunda-feira, março 07, 2016

Conversa íntima

Não me lembro se fiz planos para 2016. O fim de ano chegou e passou rápido e sem anúncio; em uma semana já estava tudo de volta mas não estava, e desde então ficou muita coisa em suspenso. Terminar um projeto. Começar o próximo. Organizar o tempo. Arrumar um trampo mais estável. Estar mais atento e consciente. Conciliar as demandas afetivas minhas e dos outros, abrir espaço, dar apoio e estimular que as pessoas queridas se encontrem - eu sei, eu sei, mesmo que isso signifique longe de mim. O aprendizado de ser livre inclui permitir que certas coisas se ajeitem em seu tempo, mas ocorre que sou muito impressionável, sensível demais ainda a algumas coisas; noto variações, elas me preocupam, não sei como articular os incômodos, logo tudo vira um nó por dentro e paraliso. O justo equilíbrio entre o que preciso e o que esperam me pesa, ainda que seja evidente: não há muito o que fazer, não dá pra ser mais do que a gente é.