domingo, agosto 19, 2018

Régua ideológica

“A desqualificação do voto dos pobres e de tudo o que lhes diz respeito é sintoma de uma incapacidade crônica de empatia de uma parte de nossas elites, que também vota segundo seus interesses, mas que aprendeu a traduzi-los em princípios abstratos muito bonitos, como liberdade, empreendedorismo, empregabilidade.”
A afirmação é da socióloga Maria Eduarda da Mota Rocha e compõe o texto de Fabiana Moraes na Piauí, intitulado "Razão não depende de geografia. No imaginário nacional, o Nordeste segue como a terra que vota com o estômago". No centro das eleições, a ideia de racionalidade: de um lado, uma parte da população que se vê como elite esclarecida - mas que sequer compreende aquilo que é visto como pretenso oposto, a pobreza; de outro, a parcela da população afirmada irracional; ambas exercendo o direito de voto em concordância com seus valores e expectativas, mas apenas um dos lados tem sua escolha legitimada e vista como desinteressada. 

sábado, agosto 18, 2018

Torquato em ternura e tormento

Como seu pai, Torquato era um homem lindo e parecia muito doce, apesar de algumas poucas fotos já denunciarem um estado perturbado. Ando às voltas com suas palavras:

Cogito
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível


eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora


eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim


eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim

terça-feira, agosto 07, 2018

Como surge o Eu

Quando eu lia sobre a doutrina dos antigos - mesmo com os não-tão-antigos, como no Empédocles de Hölderlin - sempre me assombrava a narrativa de unificação plena entre homens e natureza, uma natureza sem mistério em comunhão com deuses que andavam entre os homens. Mas nunca havia me ocorrido que esta unificação se dava entre os próprios homens, um universal indiferenciado no qual não distinguiam dos outros algo de si, de próprio. Eram todos Um.
"[...] os outros eram extensões ou modificações de si mesmo. Quando alguém não gostava do que via, atacava a si próprio, achando que, com isso, conseguiria extirpar o que lhe desagradava. Da mesma maneira, quando um homem encontrava uma mulher que lhe aprazia, buscava encontrar em seu próprio corpo, coçando-se, mexendo-se, a fonte daquele prazer. Também acontecia com muita frequência, é claro, de os indivíduos tocarem-se uns aos outros, atacarem-se ou conhecerem-se, mas sempre com a sensação de que aqueles encontros não eram nada mais que o corpo de cada um agregado à natureza. Assim, também não havia distinção entre os seres e as manifestações naturais ou cósmicas, como as árvores, o sol e o trovão..." (JAFFE, N. A verdadeira história do alfabeto).
Só quando o primeiro homem pôde perceber-se como unidade a marca subjetiva veio à luz - e para sinalizar a descoberta, cunhou uma letra, o E, da qual derivou-se o nome para o que descobrira: o Eu.