sexta-feira, janeiro 23, 2015

Dureza

Você me escreveu um email direto e reto - no fim das contas, queria mesmo era cobrar se havia atendido ao seu pedido de ajuda. Não teve "tudo bem", "como você tá?", "como tão as coisas por aí?", e nem de longe qualquer indício de "tô com saudades".
Eu sei que já me disseram sobre o quão negativa pode ser essa tendência a interpretar as frases caçando sentidos ocultos. Sei que você tá ocupado com suas coisas, sei que pode ser seu jeito. Eu sei de todas essas coisas. Sei que deveria tentar ser compreensiva, que não deveria pensar tanto nisso.
Mas é que mais uma vez tocou um alarme ensurdecedor avisando sobre o quanto você não se importa e não está interessado, e que não é isso que quero pra mim. Dos grandes ensinamentos das relações livres estão o cuidado com o outro, que pode muito bem coabitar com nossa autonomia afetiva e personalidades independentes, do mundo. Não vejo cuidado algum ali nas suas palavras. Deve ser porque sequer há relação para se dizer livre. 

terça-feira, janeiro 20, 2015

Do que é feita a saudade

Saudade é feita de tempo, de lembrança, dos momentos materiais mas também de cheiro que não existe mais na cama, no travesseiro, nos lençois já trocados, nos cabelos e na pele já lavada e já tocada, retocada. 
Saudade é feita de "faz só um mês?", e de "mas o mês que vem vai passar rapidinho".
Saudade é feita de concordar com o "cada dia a mais é um a menos pro encontro acontecer". 
Saudade também se alimenta do incerto e neste campo do indeterminado se erguem os desejos para que os bons ventos soprem. 

segunda-feira, janeiro 19, 2015

Teia de aranha acariciando a nuca

Sentados no parque, domingo à tarde, travavam conhecimento pela primeira vez sobre suas vidas, propósitos, algumas ações e os melhores shows da vida, quando a mão alcançou a orelha - de súbito, ele se estapeou e afirmou, severo:
uma aranha.
Ela se levantou de um pulo e sentiu pela primeira o estômago se manifestar naquela tarde. Ela, que estava tranquila, justo perto dela uma aranha, de todos os seres abomináveis, justo uma aranha, justo ela.
Se recompuseram e a conversa reiniciava, mas qualquer vento já era - aranha andando pelo corpo, teia de aranha acariciando a nuca.  
Acho que a gente sentou embaixo de uma teia de aranha, concluíram, mas já era hora de partir e a distração estava feita.

quinta-feira, janeiro 15, 2015

O caderno

Alguém jogou fora um caderno de desenhos. Algumas anotações, mas essencialmente desenhos. O mistério e a beleza coabitavam nas páginas, nos traços, e o caderno foi resgatado por alguém disposto a encontrar seu dono -  a fim de restituí-lo ou para sanar sua curiosidade? Jamais saberemos. O dono não se manifestou. Daqui eu vejo, porém, que ele continua a desenhar. Alguns dias acha que seu trabalho não é bom o suficiente, outros dias pensa que o problema é com ele mesmo, pois trazer ao público sua arte é assumi-la,sustentá-la, justificá-la. Torná-la real, existente, efetiva, dar a ela um lugar no mundo exigiria também dele uma posição no mundo - para que houvesse sua arte, teria ele mesmo de existir. E quem é ele, quem seria ele? se pergunta. 

terça-feira, janeiro 13, 2015

A incrível história de um homem e seu tempo

Vamos lá: tomar um banho, comprar um sorvete, trabalhar. Temos um longo dia pela frente, dialogo comigo mesmo. Eu e minha mente temos de nos manter motivados, com foco e disposição, mas sobretudo com prazer nas atividades. O áudio, a aula, a escrita, tudo deve fazer sentido - do contrário, será um fardo.

A história começou para mim abruptamente, sem começo de fato, uma narrativa pela metade, sem saber origem, nem tema, nem identificação e nem final. A história de um homem cujo nome eu não conheço, e cujas lembranças só ouço a partir de um determinado momento da vida. Eu me ative à voz, ao sotaque foRte e fiRme que despertou uma lembrança, e que logo foi corroborada por uma notícia. 
Veredicto: lembranças atraem pessoas.

sábado, janeiro 10, 2015

Fez-se mar

Recorrentemente eu sonho com mar. com imensidão, vastidão.
Hoje eu me aventurava e entrava de peito aberto, porque o mar era calmo e eu tinha, parece, um controle. Inadvertidamente surgiu uma onda que me cobriu e tirou meus pés do chão; eu não sei nadar, mas simulava pensamentos sobre prender a respiração quando a onda me levantou, ficar calma, boiar, tentar manter a cabeça para fora. Então eu não era mais corpo, eu era só uma cabeça, um nariz, o par de olhos que enxergava a linha do mar logo no meu pescoço.
Mas eu, pela primeira vez na vida - ou no sonho, não tive medo, e num instante já estava em outro lugar, com os pés de volta ao chão.

quinta-feira, janeiro 08, 2015

A outra parte de mim

E enquanto isso, enquanto as resoluções são tomadas, me questiono igualmente (com menos força, mas me questiono, pois sim): que será que você anda fazendo?
Arrisco: observando o pôr-do-sol e acordando de madrugada. Escrevendo à noite, quando todos foram dormir. Fotografando e filmando, se equilibrando na barca, dormindo na rede.
Pensando em quê? Nem que pudesse, nem por mil caralhos voadores, não gostaria de saber. 
Teve tanta coisa de suas falas que eu guardei sem notar, que é como se eu pudesse reconstruir você - do meu jeito - a partir dessas lembranças vagas. 
Tenho consciência de que é a primeira vez que imagino coisas passíveis de serem reais. E entendo também o porquê de as pessoas quererem a certeza, um nome para isto, uma confirmação, um símbolo, uma cerimônia: conviver no aberto, no campo do possível, não é fácil. Mas quão sólidas são estas certezas quando se tratam do sentimento do outro, se sequer conhecemos direito os nossos?

As conversas mais sinceras

As conversas mais sinceras são sempre consigo mesmo. É quando são tomadas as grandes resoluções, as definitivas, as iluminadoras. É o momento em que Hank decide ser um novo homem e, veja bem, aquele cara que mal comia ao longo do livro começa a se alimentar direito.
Na minha lista de prioridades o dinheiro caiu de preocupação-mor para item secundário; necessário, porém secundário. Isto significa: ter o suficiente para pagar as contas, mas decididamente cortar os supérfluos. 
O mais difícil, porém, foi assumir que quero ter da vida algo bom, fazer um bom trabalho, algo do qual possa me orgulhar intimamente. 
Quando olhar para meus escritos, eu quero me ver ali.

segunda-feira, janeiro 05, 2015

Enquanto seu lobo não vem

As cidades guardam segredos, pensei eu, passando na Avenida Presidente Vargas que Caetano cantou em Tropicália. As cidades guardam surpresas, pensei eu, sob o céu dos fogos de artíficio, como aqueles que uniram Leonardo e Luisinha na Festa do Divino.
Rio de Janeiro tem vida. Voltei cheia de poesia, saudades, lembranças, inspiração.