sexta-feira, fevereiro 19, 2016

Dos modos de carinho

"Cozinhar não é um serviço. Cozinhar é um modo de amar os outros".
Não li Mia Couto, mas a citação me fez muito sentido. E quanto mais penso, mais faz sentido o peso do ato. Cozinhar para pessoas queridas é a extensão do carinho. Existe o cozinhar burocrático, mas existe o cozinhar atento, que considera o tempero para cada paladar, que ao longo do preparo tenta imaginar a expressão do outro ao provar um prato, por menor que seja, por mais simples que seja. 

Leituras

Como ler as pessoas:
potencialmente através do que falam dos seus. Carinho e respeito para com aqueles que são e foram importantes indicam uma mente acolhedora e que lida de maneira boa com os relacionamentos - atuais, passados e futuros. Gabar-se de provocar ódio em um ex-companheiro pode indicar uma visão no fundo extremamente romanceada de relacionamentos, como se devessem percorrer um arco narrativo de fortes emoções. Isto me disseram uma vez e dei razão; hoje em dia prezo muito pela minha paz em silêncio, pela convivência mas pelo espaço, pelo acréscimo vindo de boa-vontade e não pela exigência; pelo quentinho no coração e pelos olhos fechados no abraço; não pela ausência de sono, nem de fome, nem pela construção de brigas pelo mero prazer da reconciliação, menos ainda pelos jogos de quem-deve-falar-o-que-e-quando. 

sábado, fevereiro 06, 2016

Distraídos venceremos?

Desvendando os sentimentos ao conversar com alguém: "você só passa coisas boas" é o tipo de comentário positivo a se ouvir. As primeiras impressões eu quero documentar: calmaria, olhar tranquilo de quem não enxerga muito bem, o diálogo sem pressa de tirar conclusões. Temos bastante a descobrir sobre a pessoa do outro lado. É curioso notar a diferença de perspectiva de tempo: um plano para depois dos 40 ainda me é tão distante que quase soa como uma brincadeira, mas depois notei seus cabelos grisalhos enquanto andávamos pelas ruas. E, honestamente, são tão charmosos quanto a conversa franca e os desenhos pelo corpo. 
O problema é que: ajeita aqui, fica campenga acolá. Será possível ter satisfação e bons resultados no trabalho E grana E boas relações intersubjetivas? Tempo e dinheiro, saúde e prazer, cuidado e desprendimento?

Anos dourados

As fotos aleatórias contam uma história: no início eram felizes. Um terceiro documentava os passeios, num claro indício de uma família receptiva e com "amigos do casal". Numa das fotos, diversas felicitações pelo novo filho. Comemorações de aniversário, casamento, passeio no parque. Nas mais recentes poucos comentários, e vez ou outra uma tentativa de descrição retroativa: uma das partes afirma que ali acontecera tal coisa, observações que me soam uma busca pelo perdido, por resgatar o ambiente daquela época. "Éramos assim, fazíamos isso". Já agora surgem fotos da família fragmentada: os filhos nao aparecem mais juntos, menos ainda os pais.
Tenho uma sensação estranha nesta narrativa, porque me reconheço um pouco envolvida. Cheguei depois, mas ainda posso imaginar o efeito do verso: "me vejo ao teu lado; te amo? nao lembro". É possível esquecer o sentimento? Negá-lo, sim; superá-lo, talvez; mas esquecer algo grande, a construção de uma história, de uma família, de uma vida juntos - ainda que de mentira - nao me parece cabível.  

segunda-feira, fevereiro 01, 2016

Por quem os sinos dobram

As primeiras impressões sobre Hemingway são empolgantes. Por quem os sinos dobram tem sido um livro diferente e daí o interesse em documentá-lo enquanto leio. A história parece viva e humana e a descrição detalhada faz imaginar texturas da camisa, do saco de dormir, dos cigarros, do cabelo curto de Maria; atiça o paladar com lembranças inexistentes imaginando o vinho e o cheiro da caverna: uma mistura de suor, comida, fumaça e tensão. O tempo é seco e as pessoas são duras - a princípio. Política, História, uma relação que nasce direta; cavalos, montanhas, dinamites. A descrição das paisagens, caminhos, estradas e da ponte me detém: qual o interesse dos detalhes senão nos permitir (re)criar a História?