sábado, novembro 29, 2014

Vida e morte

Ainda hoje dizia que deixar de lado certas tentações para dar conta do trabalho deveria ser sinal de que eu estava mesmo me tornando adulta-responsável. Mas depois repensei e ser adulta neste momento se relaciona intrinsecamente com a noção de ver morrer os personagens que habitaram a minha infância. Com a idade a gente aprendeu a reconhecer que eram os mesmos atores que se revezavam em personagens infantis e adultos nos cenários precariamente concebidos, mas que por vezes tinham elementos tão reais. Ou não?
Ou não é (passível de) verdade que todo mundo quando era criança fantasiava? Que o miado do gato no meio da noite parecia algo assustador? A gente não se sentia paralisado de medo? E não tinha uma pureza e uma ternura nas relações que sempre fazia reatar os laços depois de uma piada, de uma briga sem-querer-querendo? Que um colega sempre era o dono da bola e tinha os brinquedos legais, e que outro tinha os pais sempre fudidos, devendo o aluguel? 
Que não se pode dizer a uma criança que algo que ela inventou não existe? Que nós somos desiludidos ao longo da vida e deixamos de levar ao pé da letra as expressões que nos dizem e que soavam tão absurdas?
O barril dava um consolo, uma esperança de que o menino anti-heroi tinha onde dormir e se refugiar do mundo injusto. Eu tinha uma curiosidade grande de saber como era, o que havia dentro do barril. Imaginava uma casinha com mobília bem pequena, mas que reproduzia a dos outros personagens, só que em escala reduzida.

Eu ando sacando: ficar mais velha só vai me deixar mais sensível.

quinta-feira, novembro 27, 2014

Das curiosidades que movem a mente na madrugada

A rádio mental me despertou com Tigresa de Caetano e eu corri pro violão num lamento, e a manhã nasceu azul. 

Ando distraída e curiosa, penso uma tarde e meia "e se". Antes do café eu faço ioga e comecei a reparar no espelho os meus cabelos desbotados, mas estamos em paz, abandonei o secador e deixo agora que se moldem como queiram. 

Você acredita em química entre pessoas em quais níveis? A química vocal é uma coisa dos infernos. Difícil conceber qualquer coisa sem saber a voz, um possível sotaque, as palavras mais bonitinhas pronunciadas no seu tom. Vejo fotos e simulo as vozes, projeto alguns trejeitos lendo o que me escreve. E a curiosidade me assalta e me distrai irremediavelmente.

quarta-feira, novembro 26, 2014

Pessoas perfeitas, pessoas normais

Genuinamente disposta, mas sem entender bem os mecanismos. Um pouco divertido o agir nestes termos, mas é bom descobrir pessoas normais, que são mais que as fotos beijando golfinhos ou ao lado dos carros do ano. As pessoas normais - na minha concepção - têm um ângulo bom, mas muito além disso; elas têm algo que desperta interesse e sua diversão é verdadeira, não apenas programada.
Aquelas fotos são "só para parecer bonito", sim, neste contexto essencialmente visual, mas transportam para uma dimensão peculiar e especial: a das suas histórias.

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Claro que nem sempre elas vão querer ou conseguir enxergar essa mesma dimensão em mim, mas isso faz parte da vida, e na dúvida, por mais demodê que seja, prefiro sempre agir como se eu estivesse do outro lado. 
Mas - primeiro de tudo - agir.

domingo, novembro 23, 2014

Botando a vida nos eixos

Nem toda beleza é visual. Tem uma idade que nos leva a entender um monte de coisa - antes eu achava que o tempo me endureceria, mas hoje penso que amadurecimento, no meu caso, teve a ver justamente com sensibilidade. 

terça-feira, novembro 18, 2014

Espelho

Bem, era perceptível no seu modo de falar e de introduzir a questão que algo havia acontecido. Este puto fim de semana que não nos deixou quietos. Talvez sejamos tão parecidos até na hora de sair para o mundo e conhecer pessoas.
Eu sei que não devia me importar com isso, mas a pontada no peito existiu independentemente de minha vontade, a voz ficou rouca de repente e os pensamentos embaralharam. Logo construí uma figura a partir das poucas informações e já me parece ser alguém que é exatamente o que eu não sou.

segunda-feira, novembro 17, 2014

Algumas cidades domesticadas sob nossos pés

Antônio Prata bem disse que não tem como saber se vai dar certo antes de dar o salto. Mas tem coisa que a gente vivencia e não sabe bem se é verdade quando acontece desse jeito, sem ninguém além de nós a testemunhar o nascimento de algo que pode ser.
[But maybe i'm just too young to keep good love from going wrong]
Estive à vontade, falando o que vinha à cabeça, mas me deliciando sobretudo com as histórias, com a calma dos que não têm muito a esperar porque até ali já era demais e já era bom. Tem dias que a paz e a felicidade nos empurram para os lugares.
Eu gostaria de ver as cenas de fora, para saber o que um fazia enquanto o outro entrava no bar, pegava uma cerveja e encontrava o lugar exato para ver a banda. Gostaria de ver de fora para saber a configuração dos corpos no primeiro Oi, para ver o olho fitando o nariz fino cada vez mais perto e o sorriso meio encabulado, o primeiro olhar sobre os desenhos e as feições e expressões ao sentir o perfume.
[My kingdom for a kiss upon her shoulder]
Mas nem por mil promessas eu gostaria de saber o que vai acontecer. Pode ser que algumas histórias mereçam ficar nesse lugar indeterminado entre a realidade noturna de um dia feliz e o sonho cansado, a conversa solitária.

segunda-feira, novembro 10, 2014

Forever young

E se aos 25, em vez de grandes resoluções pra vida, aprendesse enfim a assobiar? Tocar gaita? Odeon no violão? Descobrisse Bukowski? Atravessasse o Fausto? Aprendesse a desenhar? Transformasse rascunho em livro?

domingo, novembro 09, 2014

Para amigos distantes

A vida, bem como se encarrega de colocar as pessoas no caminho, às vezes se encarrega também de afastá-las. Acho que ela identifica uma diferença de sintonias e por isso a conversa e o interesse já não se sustentam. 
E nada pior a oferecer para uma amizade outrora sincera que a obrigação e a falsidade.
Tenho lembranças boas de nossos momentos felizes e penso em você sempre com carinho e desejando que encontre um bom caminho. Ainda não li o livro que me deu de presente ano passado nesta época, no meu aniversário, mas sei que quando ler vou manter um fio de contato aceso através deste interesse que compartilhávamos.

sábado, novembro 08, 2014

Narrativas

De um impulso eu li o Meu pé de laranja lima e terminei o livro aos prantos. Não seria mentira se dissesse que já na página 02 tive a sensação de que seria um livro especial, uma sensação parecida com a que tive ao iniciar o 1933 foi um ano ruim. Os dois romances guardam muitas semelhanças que disparam minha sensibilidade: narrativas de família centradas em um membro do núcleo familiar - os protagonistas Zezé, no romance de José Mauro de Vasconcelos, e Dominic Molise, no de John Fante. Famílias pobres, de cotidiano duro, que também as torna pessoas duras, especialmente a figura do pai, que em ambos os romances representa a autoridade imposta, o ápice do conflito, a violência. Os protagonistas encarnam por vezes o erro, muito embora por dentro sejam pessoas sensíveis demais, precoces demais, mas não se furtam a tentar resolver os problemas sempre da pior maneira possível, como é comum às pessoas normais
Dominic tem n'O Braço a proteção e a projeção de um sonho que não é só um sonho individual, mas que poderia tirar a família da pobreza. Zezé, como criança, tem o refúgio na dimensão da fantasia, no seu Minguinho, Xuxuruca, o pé de laranja lima que é o melhor amigo. Por outro lado, o Portuga é o maior amigo, a figura paterna carinhosa, compreensiva mas que sabe repreender, e que abomina ao mesmo tempo os palavrões pelos quais Zezé expressa sua revolta e raiva e a violência crônica com a qual Zezé é tratado em casa, além da violência psicológica, ao ser levado a crer que não é uma boa criança e que tem o diabo como padrinho. 

Zezé conhece cedo a dor e a descreve com a simplicidade de quem vê as coisas pela primeira vez. Dominic é levado a compreender que o orgulho de ser o que se é ultrapassa mesmo os maiores sonho. 

quinta-feira, novembro 06, 2014

Hipocrisia imperceptível ou disfarçada?

Já me deram a dica antes: por vezes o desapego material é muito fácil pra quem tem a possibilidade de ter. 
De repente todo mundo passou a cultuar o minimalismo material sem pensar que, pra muita gente, conquistas materiais são coisas importantes e representam, em certa medida, sonhos realizados. No registro particular posso achar supérfluas um milhão de coisas, mas devo reconhecer que muitas vezes para mim foi ao menos concebível tê-las. Um carro, um celular, uma roupa cara, todas essas coisas prescindíveis não são significativas na minha vida, mas podem representar muito na de outras pessoas, que trabalham muito para conquistá-las. Quem sou eu para julgar o seu esforço, seu trabalho, suas opções? Por mais que a ideia workaholic não me atraia, que diferença faz na minha vida que outras pessoas sejam assim? Por que suas atitudes devem me parecer então condenáveis?
Eu tenho o meu campo de consumo. Os livros não me deixam mentir, o guarda-roupa por vezes pensado para soar "desencanado" tem roupas que eu quis comprar. Eu escolhi empregar meu dinheiro nisso. É meu nível de consumo - qual o problema que cada pessoa tenha o seu?
Quem determina o limite? Eu? Elas? Você? O limite de quem?
Quão bom eu sou se limito meu consumo para, dois passos depois, bater no peito e falar com desprezo sobre as pessoas que decidem onde usar o dinheiro delas, fruto do trabalho e do tempo delas?
Você precisa de algo assim, uma fundamentação exterior para sua bondade? De uma religião, de uma crença, de um ideal, de uma vida posterior, de um motivo para ser bom, justo e correto?

quarta-feira, novembro 05, 2014

A dança

Cajuína é música de tocar em filme nacional. Eu fecho os olhos e imagino a cena: uma sala de reboco com gente dançando devagar, a câmera vai também devagar mostrando, à meia-luz os cantos empoeirados, as cinturas rodando, uma mesa de canto com bebida, sandália velha no chão sujo.

Ato de carinho é e sempre vai ser mostrar minhas músicas preferidas, introduzindo os artistas e meus contextos de arrebatamento com as canções. 

segunda-feira, novembro 03, 2014

Dos recentes passados

Precisava de um remédio que me curasse a dor da rejeição, mas não queria anular o sentimento bom que sinto surgir quando penso que, para além de mim, você está feliz com alguém. Talvez porque essas coisas todas estejam fadadas a acabar, a sumir, desaparecer no nada das coisas não-materiais não-ditas e não-vividas.

No presente a mente, o corpo é diferente. E o passado é uma roupa que não nos serve mais.

domingo, novembro 02, 2014

Incômodos

Por que preciso da aprovação de pessoas que não se importam em ser legais comigo?
O assunto me incomodou e não minto. Me fez pensar e não disfarço - por que eu devo beleza a alguém? Por que as pessoas têm o direito de me julgar por minha aparência física?

Eu fiquei pensando nisso porque magicamente comecei a me sentir inadequada em meu próprio corpo. O meu corpo, através do qual faço coisas incríveis, começou a parecer errado e inadequado. Então eu fui encarar o problema de frente, porque não é mudando o meu corpo que vou aprender a lidar com a sensação de que certos corpos parecem inadequados. Eu tenho de atacar o problema na raiz, ou seja, superar a ideia de que corpo algum, em qualquer configuração, seja inadequado.

Fiquei feliz pois falando com amigas percebi que muitas aprenderam a superar os comentários alheios e a imposição de beleza. É sempre bom e inspirador estar ao lado de pessoas que nos tornam melhores. Cada uma deu um conselho e uma experiência, que vou adequar à minha.