segunda-feira, novembro 30, 2015

Tentativas de desvendar o sentimento

Sinto dizer, mas não existe a chave, o segredo. As relações - todas elas, inclusive as sexuais - não cabem em manuais de o-que-fazer ou o-que-não-fazer. É descoberta, observação, reação: se arrepia, se faz sorrir, se provoca carinho, se faz gemer, implorar por mais, estamos no caminho certo. Não é? De resto, há divergências. Como classificar num manual o que em algumas pessoas ou em algumas situações causa excitação? Haveria o não-se-deve-fazer universal? Sexo é espontâneo. Não é roteiro, não é pornô. Pornô é sequência de posições - onde as pessoas não se tocam, a não ser nas partes pudendas - que acaba com gozada na cara. Não quer dizer nada isto? Não significa que o sexo acaba quando o homem chega ao orgasmo? Entre pessoas cientes do que fazem, sexo é de foro íntimo, mas o que baseia nossa ideia de sexo? 
Eu gosto tanto, tanto de você, como provavelmente nunca gostei de ninguém, mas não acho que estamos indo lá muito bem. Estou triste e meio sem saber o que fazer, sem saber se há como resolver isso, sem saber como articular meus incômodos e minha confusão - e também isto me parece sintomático.

quinta-feira, novembro 26, 2015

todo mundo e ninguém

#meuamigosecreto interrompe sistematicamente mulheres, não confia nas explicações delas mas usa seus argumentos - sem dar crédito - para discutir com outros homens. Se relaciona com mulheres como se fossem objetos de decoração ou crianças, tem sempre um tom paternalista e condescentente, não as trata pelo nome senão por "linda", "gata", "meu amor" - não, ele não trata nenhum de seus amigos assim. Faz questão de beijá-las, abraçá-las e tocá-las em toda situação, inclusive nas mais descontextualizadas; distribui beijos melados e abraços demorados. Divide as mulheres entre as "bonitas e burras" e as "inteligentes e...você sabe, não quis dizer que não são bonitas". Divide mulheres entre as "pra casar" e "pra trepar", comemora a libertação sexual - afinal, mais mulher pra transar com ele, né? Mas meu amigo secreto tem a convicção de que todas as mulheres que saem com ele querem namorar com ele, casar com ele, inventam planos durante a madrugada para engravidar dele, repovoar o mundo com sua sagrada semente! E ai delas se tentarem discordar - ele está sempre a postos para abençoá-las com sua iluminada opinião, para mostrar uma verdade que elas não veem. Meu amigo secreto não acha que mulheres devam ter cotas de representatividade em empresas porque TODO MUNDO sabe que mulheres não lideram bem, são mais emocionais, né? Não é por nada, mas ambientes com mulheres sempre dá problema, elas sempre acabam brigando, né?
Meu amigo secreto não se resume em uma pessoa só mas se expressa individualmente, está espalhado por aí em atitudes corriqueiras.

quarta-feira, novembro 25, 2015

As justificativas

Li um interessante artigo chamado "Orientalismo e guerra ao terror: uma biografia do fracasso", de Murilo Cleto. Eu, pouco entendida da situação atual mas cética em relação às justificativas correntes, achei esclarecedor acompanhar o processo de formação de uma imagem que embasa ações e a escolha de um lado da história.
É elucidadora a explicação do autor sobre o Oriente como invenção do Ocidente, em referência a Edward Said, bem como a transformação do termo "bárbaro" ao longo do tempo. No fundo se trata da insistência no processo de diferenciação entre "eles" e "nós", que dá abertura aos ataques e preconceitos contra "eles" a fim de proteger esta sagrada instituição que somos "nós". O orientalismo, afirma Cleto citando Said, é “'um estilo de pensamento baseado numa distinção ontológica e epistemológica feita entre o ‘Oriente’ e o ‘Ocidente'. E orientalista é, portanto, todo aquele que ensina, pesquisa, escreve sobre o Oriente e aceita a clivagem entre Leste e Oeste como ponto de partida para o mapeamento de suas caracterizações políticas, culturais e sociais". Com minhas palavras: a voz do "nós" ao falar sobre "eles", ao termos a pretensão de falar por "eles".
Um aluno da Síria frequentemente me alertava sobre como esta ideia de um "lá" que não é como "aqui" pontua as relações. E que na real ninguém se define exclusivamente por ser de "lá" ou "daqui". Me parece que falta isto: ouvir as pessoas, não enquanto alguém de "lá", mas como qualquer pessoa que tem algo a dizer. Falávamos hoje de profissões e brinquei a respeito do modo pessimista como ele descrevia as atividades dos pilotos. Ele se explicou: "é que no meu facebook vejo o tempo inteiro aviões caindo e destruindo cidades e pessoas..."

E por fim, um trecho que ficou na minha cabeça, martelando a ausência de artefatos e categorias para lidar e compreender o "eles": "Maomé não é odiado apenas por ser um profeta como qualquer outro, mas por representar uma espécie de anticristo diante da lógica maniqueísta de compreensão teocêntrica do mundo". 

segunda-feira, novembro 16, 2015

Os 26

Os tempos estão estranhos. A História impõe sua força sobre o indivíduo e sobre nós. Enquanto construíamos nosso interno, discutíamos como melhorar a comunicação, a troca, falávamos sobre como é bom estarmos juntos, o mundo se movia fora do nosso cômodo iluminado por luzes vermelhas, dos nossos toques e tecidos, dos nossos corpos-em-um-só. O mundo queimou na noite dos meus anos - não porque eram meus pois nada há de especial nisso ou em mim; e a bem dizer, o mundo tem queimado há tempos, a guerra come a terra há tempos, a lama e a sujeira soterram a vida há tempos. Decretam luto e morte estas barbáries e barbaridades todas. Enquanto isso, aqui dentro a vida desperta em sentimentos.