domingo, março 31, 2019

A casa do coração

Uma coisa cruel e bonita é que os lugares ficam: os que percorremos, que pretendi conhecer com você, os que foram objeto de uma conversa. Ainda há duas pessoas ali naquela esquina, ou na frente do cinema, ou andando pela larga avenida, um homem tocando levemente uma mulher no antebraço, na parte da carne macia, ou puxando a mulher para si na sala da casa que visitaram, há uma mulher parada na banca de jornal, caminhando com o sol na cabeça, esperando com cautela o sinal abrir, há dois corpos na cama, uma conversa relaxada, gostosa, torta de legumes, cerveja, café, yakissoba, arroz com feijão, comida indiana. Há este homem e esta mulher no território da lembrança. Toda vez que sinto tristeza por tudo isso que se dissipou no tempo, nos encontros que foram se tornando mais escassos e mais curtos, eu tenho que conceder a mim mesmo o direito de pensar que há beleza no mundo. (02.07.2018)

Um texto pode precisar de meses, talvez anos, para vir à efetividade sem doer; uma lembrança pode carecer de muito tempo para despertar beleza sem reabrir um buraco no peito.