quinta-feira, abril 28, 2016

O retorno do livro

Cheguei em casa e o livro estava na portaria numa sacola plástica de supermercado, um pouco amassado, com páginas aparentemente aleatórias marcadas. Confesso que não guardei quais páginas eram nem li com muita atenção os poemas. Me pareceu um término, me pareceu uma tentativa de afastamento silencioso, contrariando o que você me dissera sobre estar tudo bem - e melhor que seja isso do que uma provocação, um pretexto, uma forma de querer mostrar que não se importa. Eu respeito a decisão e penso hoje em dia que faria o mesmo, porque vejo do outro lado; respeito a autopreservação, mas não aceito jogos. E nisso me fundamento: sempre disse a verdade, mesmo quando não parecia adequada. 

de repente a gente vê que perdeu ou está perdendo alguma coisa morna e ingênua, que vai ficando no caminho.

Como é que pode isso - de repente olhar para o lado e ver alguém que não reconhece mais? 

sexta-feira, abril 15, 2016

Por favor

Da primeira vez que li o livro de Amanda Palmer, achei sentimental, simplório. Mas A arte de pedir me tocou no mesmo ponto que mobiliza as outras pessoas: o ato. Estou há algum tempo - a meu modo e contra minha vontade e orgulho - pedindo.
Peço tempo (um prazo maior, uma mudança de horário, reagendamento de compromissos), dinheiro emprestado, compreensão, paciência, desculpas, ajuda. Estou pedindo que prestem atenção ao que eu digo, às explicações que dou. Peço veladamente que atentem aos sinais quando falo da ansiedade. Peço explicitamente, mas morrendo de vergonha, que me paguem no dia combinado. Peço sinceridade, carinho. E é sempre muito, muito difícil, pois o pedido envolve a possibilidade da negação - e como Palmer diz, essa vulnerabilidade da recusa é o que nos constrange no pedido.

quinta-feira, abril 07, 2016

Denso, extenso, indecifrável

Dois dias para cair o cheque, vinte minutos para cozinhar o arroz, quatro minutos para o próximo trem. Meia hora a mais já é uma ajudinha, cinco minutos de soneca decidem o dia e o atraso. Três semanas sem se ver, um fim de semana na praia, um áudio de 3 minutos se desculpando, semana de trabalho de infinitas horas descansando como no Princípio, só no sétimo dia, que parece então reduzido a poucas horas em vez de 24. Duas transas até encaixar, sempre dez minutos até gozar. 40 reais a hora-aula, 1165 o aluguel. É preciso subir a hora-aula. A partir de 46 aulas rola um bônus. 106 páginas até aqui, falta a conclusão, falta expandir o desenvolvimento, falta lapidar a introdução, falta rever a bibliografia. Sala 21, despertador às 5h. 
Se a estatística alcança a previsão, não logra descrever as possibilidades: sabemos que são muitas, quiçá sejam os arranjos infinitos, mas não saberemos jamais como ou devidamente quais são. O que é o tempo? A vida vira um desfile de números, cujo significado não é além de imposto, arbitrário, atribuído. Os Jogos Olímpicos de 1896 quase foram arruinados por uma diferença de calendários, li ontem enquanto tomava o terceiro café do dia. .