sábado, setembro 24, 2016

Sobre dois ou mais

Sem disfarces, sem carão, sem pose. Quanto mais as relações se aproximam da essência, para além das embalagens e das atribuições externas, mais puras podem ser. Talvez não sejam mais fáceis, mas ao menos mais sinceras, mesmo quando dolorosamente sinceras.
Minha formação não me resume. Meu trabalho não me resume, meu corpo, meu rosto, minhas marcas, nada disso esgota o que sou. Todas essas coisas me compõem, mas não me definem.

terça-feira, setembro 20, 2016

Aquarius, mar e lembrança

Mar revolto
Vi o mar pela primeira vez quando eu já era adulta. Um fascínio. Desde então, faço menos visitas à praia do que eu gostaria, mas estive todos os anos - fisicamente. Porque em sonhos estou sempre no mar. O pesadelo mais frequente que me acomete é o da onda me cobrindo, eu estou no mar mas também estou de fora, duplicada, vendo e vivendo a cena. É uma coisa mais cinematográfica.
O mar é o sublime, o que causa medo e curiosidade, o sem-fim. Como é nadar no mar? me pergunto.  

Sônia-Braga-Clara, a moça bonita da praia de Boa Viagem
Sônia Braga saindo do mar em Aquarius, de maiô preto, os longos e fartos cabelos negros, a pele pedindo para ser filmada, a postura de quem é por si, em cada pequeno gesto, uma força. Houve alguma cena em que definitivamente me senti eletrizada pela visão de Sônia-Braga-Clara.

Os fantasmas e lembranças que habitam móveis e casas
Aquarius, sobre o qual eu não tinha ideia formada, diz muito no não-dito. A empregada do passado que habita atual a casa fortalece a tensão, mas não só ela. O móvel de madeira, prenhe das lembranças sexuais da tia idosa, é a presença daquilo que se quer negar: o velho vive, a despeito das tentativas de encerrá-lo em lugares seguros, limpos, estéreis. Vive uma vida plena, resiste e entende o peso da vida. Quando pressionada a vender o apartamento mediante o valor exorbitante oferecido pela construtora, Clara exclama: mas aqui é Boa Viagem! Os lugares têm peso, representam um papel. O batente cor de creme, as grandes taças de vinho, o sofá, o guarda-roupa, a cama, os objetos no criado-mudo, tudo isso é testemunha de uma história. E o livro - que momento! A filha de Clara, Ana Paula, deixa escapar, com tom de crítica, que a mãe abandonara os filhos por dois anos para viajar ao exterior, deixando-os aos cuidados do pai. À esquerda da fala da Ana, um dos filhos de Clara se levanta, aproxima-se da estante, recolhe um livro e retorna, pousando-o no colo da irmã. O livro é de Clara, resultado de sua pesquisa sobre Villa-Lobos, e a dedicatória, dolorida, é aos filhos e ao tempo que lhes fora roubado.
Esse livro e sua dedicatória condensam a história de uma família.

segunda-feira, setembro 05, 2016

O tempo da lembrança

A lembrança se localiza no tempo real ou possui uma duração própria? Isto é: lembrar de um fato restitui o desenvolvimento original ou cria um percurso temporal novo? 
Como transcorre o tempo na lembrança?
Me parece possível condensar a lembrança, transformando meses a fio em um só ato de rememoração; da mesma forma, parece que dá pra estender uma ação, desdobrá-la em sequências e ângulos.

Mas como? O que é que se estende e condensa? Qual a matéria da lembrança?