terça-feira, setembro 20, 2016

Aquarius, mar e lembrança

Mar revolto
Vi o mar pela primeira vez quando eu já era adulta. Um fascínio. Desde então, faço menos visitas à praia do que eu gostaria, mas estive todos os anos - fisicamente. Porque em sonhos estou sempre no mar. O pesadelo mais frequente que me acomete é o da onda me cobrindo, eu estou no mar mas também estou de fora, duplicada, vendo e vivendo a cena. É uma coisa mais cinematográfica.
O mar é o sublime, o que causa medo e curiosidade, o sem-fim. Como é nadar no mar? me pergunto.  

Sônia-Braga-Clara, a moça bonita da praia de Boa Viagem
Sônia Braga saindo do mar em Aquarius, de maiô preto, os longos e fartos cabelos negros, a pele pedindo para ser filmada, a postura de quem é por si, em cada pequeno gesto, uma força. Houve alguma cena em que definitivamente me senti eletrizada pela visão de Sônia-Braga-Clara.

Os fantasmas e lembranças que habitam móveis e casas
Aquarius, sobre o qual eu não tinha ideia formada, diz muito no não-dito. A empregada do passado que habita atual a casa fortalece a tensão, mas não só ela. O móvel de madeira, prenhe das lembranças sexuais da tia idosa, é a presença daquilo que se quer negar: o velho vive, a despeito das tentativas de encerrá-lo em lugares seguros, limpos, estéreis. Vive uma vida plena, resiste e entende o peso da vida. Quando pressionada a vender o apartamento mediante o valor exorbitante oferecido pela construtora, Clara exclama: mas aqui é Boa Viagem! Os lugares têm peso, representam um papel. O batente cor de creme, as grandes taças de vinho, o sofá, o guarda-roupa, a cama, os objetos no criado-mudo, tudo isso é testemunha de uma história. E o livro - que momento! A filha de Clara, Ana Paula, deixa escapar, com tom de crítica, que a mãe abandonara os filhos por dois anos para viajar ao exterior, deixando-os aos cuidados do pai. À esquerda da fala da Ana, um dos filhos de Clara se levanta, aproxima-se da estante, recolhe um livro e retorna, pousando-o no colo da irmã. O livro é de Clara, resultado de sua pesquisa sobre Villa-Lobos, e a dedicatória, dolorida, é aos filhos e ao tempo que lhes fora roubado.
Esse livro e sua dedicatória condensam a história de uma família.