terça-feira, agosto 07, 2018

Como surge o Eu

Quando eu lia sobre a doutrina dos antigos - mesmo com os não-tão-antigos, como no Empédocles de Hölderlin - sempre me assombrava a narrativa de unificação plena entre homens e natureza, uma natureza sem mistério em comunhão com deuses que andavam entre os homens. Mas nunca havia me ocorrido que esta unificação se dava entre os próprios homens, um universal indiferenciado no qual não distinguiam dos outros algo de si, de próprio. Eram todos Um.
"[...] os outros eram extensões ou modificações de si mesmo. Quando alguém não gostava do que via, atacava a si próprio, achando que, com isso, conseguiria extirpar o que lhe desagradava. Da mesma maneira, quando um homem encontrava uma mulher que lhe aprazia, buscava encontrar em seu próprio corpo, coçando-se, mexendo-se, a fonte daquele prazer. Também acontecia com muita frequência, é claro, de os indivíduos tocarem-se uns aos outros, atacarem-se ou conhecerem-se, mas sempre com a sensação de que aqueles encontros não eram nada mais que o corpo de cada um agregado à natureza. Assim, também não havia distinção entre os seres e as manifestações naturais ou cósmicas, como as árvores, o sol e o trovão..." (JAFFE, N. A verdadeira história do alfabeto).
Só quando o primeiro homem pôde perceber-se como unidade a marca subjetiva veio à luz - e para sinalizar a descoberta, cunhou uma letra, o E, da qual derivou-se o nome para o que descobrira: o Eu.