sexta-feira, setembro 04, 2015

Êxodos e essa dor que não é nossa

Nos comovemos e declaramos o quão tristes nos sentimos com a imagem do "garoto sírio", o quanto essa imagem nos tocou porque temos irmãos/sobrinhos/pessoas queridas em situação/idade semelhante. No fundo o egoísmo reduz a questão a "senti compaixão porque poderia ser um dos meus", mas a barbárie do fato reside em que Aylan Kurdi era uma pessoa e apenas isso deveria bastar para notar o horror. Isso não é sobre nós, que falamos do alto da nossa segurança física, emocional, financeira, mas sobre as muitas, incontáveis pessoas em situação de desespero e desamparo. 
O que fez o mundo despertar para a existência - que não é de hoje - destas pessoas? Arrisco que um dos destino dos atuais fluxos migratórios, isto é, o solo europeu, fez a realidade bater a porta. Afinal, o êxodo sempre existiu, com a diferença de quem eram os envolvidos, de onde iam e para onde iam. Na série fotográfica Êxodos Sebastião Salgado documentou este movimento entre realidades esquecidas, entre países desconhecidos, de caminhos de seis meses em mata fechada para chegar em algum lugar - e ser mandado de volta. Ninguém atentava para estes deslocamentos populacionais, como se fosse normal ter de fugir do seu próprio país por conta da fome, da pobreza, da intolerância religiosa, e lançar-se em países nos quais só encontram novamente fome, pobreza, intolerância religiosa e rejeição. Indonésia, Vietnã, Ruanda, Burundi, Curdistão. Quem os conhece, quem os nomeia? O horror sempre existiu, mas só foi descoberto quando bateu às portas do território "higienizado e civilizado", que exerceu e segue exercendo toda sua capacidade civilizatória construindo muros - físicos, e ideológicos - e transportando mais uma vez pessoas em caminhões para lugares não-explicados.