domingo, outubro 23, 2016

Paraíso, 19/10, 11h30

O velho na calçada abordava as pessoas, mas ninguém queria comprar nada - tampouco ele queria vender, só distribuía medalhas de Nossa Senhora. Deve se tratar de alguma promessa, pensei, e lembrei das salas de santuário que visitei quando criança e nos inúmeros testemunhos de pagamento de promessas: próteses, recortes de jornal, cartas, mórbidos materiais de agradecimento. E o cheiro de vela.  
Mas no momento do velho das medalhas em vez de cheiro de vela, havia o cheiro de milho cozido, que invadia a estação de metrô. Um cego esperava placidamente, a cabeça levantada, capturando sons. Motor, conversa, passos, buzina. E o cego sorria como quem vê algo que os demais não notam; talvez as primeiras notas escapando do violino que um rapaz começara a afinar dentro da estação.
Do lado de fora eu andava e observava os prédios. Uma igreja, prédios espelhados de gente de negócio, comércios informais, padarias de esquina com mesas na calçada, postos de gasolina. Escola alemã. Supermercado, lotérica, papelaria. No fim da rua uma feira, e então: cheiro de pastel, gosto doce de morango, ácido do abacaxi, cheiro de peixe. O rapaz do alho que oferece o produto sem olhar nos olhos e depois desvia da gente como quem foge do diabo. Bom dia, morena; bom dia, menina: mantenho os fones de ouvido mesmo sem música. Uma velha japonesa passa lépida com o carrinho cheio.