terça-feira, agosto 02, 2016

Entre deuses e homens

Uma nova mitologia não é exatamente um objeto recente de discussão. Na nascente do idealismo alemão já se discutia essa possibilidade - ou necessidade - ora pelo reavivamento da mitologia antiga, ora pelo aventamento da construção de uma nova mitologia suficientemente capaz de se relacionar com os aspectos do mundo moderno. Mas o que seria para o mundo atual uma mitologia? Haveria, em verdade, espaço para mitologia e deuses? Quais seriam nossos deuses? E o que seria feito dos deuses antigos?
Deuses americanos
, de Neil Gaiman, carrega muitas dessas indagações que habitam o seio do mundo e do pensamento comum. A tese de Gaiman é a de que quando os povos migram, levam consigo seus deuses. Com um pouco de sorte, esses deuses conseguem se estabelecer na nova terra e prosperar, alimentando-se do culto e da adoração. Mas de um modo geral passaram a ser esquecidos no novo continente americano, e sem o alimento da memória, perecem e definham em seu poder.
O processo se agrava com o surgimento de novos deuses - Media, que fala aos homens de modo sedutor pela televisão; o deus da técnica, um adolescente revoltado e confuso - que se valem de novos golpes e formas de admoestação. No livro de Gaiman, o conflito entre as gerações mitológicas antiga e nova desemboca em uma guerra no solo americano transformado em ambiente de magia e do improvável, tão caro à literatura fantástica de Gaiman. E o diagnóstico pesa mais em favor do homem, que de criatura se converte em criador.