domingo, maio 29, 2016

Exercício de olhar e tato

Fiquei olhando esse cara; discutíamos bondade e sabedoria, qual viera primeiro ou era mais forte em determinadas situações. Dar exemplos é sempre difícil. De súbito me ocorreu como as pessoas são diferentes. 

Um exercício, quase um estudo: mãos. A mulher à minha frente na rua andava com as mãos quase tensas, os dedos não se separavam. Já esse cara tem o hábito de levar as mãos aos cabelos, puxando os fios crespos como molas. Gosto desse gesto. 
As mãos tamborilando na mesa, marcando as sílabas sobretudo com o indicador e o médio, enquanto tenta guardar os numerais em alemão. Uma espécie de piano invisível.
As mãos pequenas e suaves passeando pela barba depois de comer, como para retirar qualquer vestígio, farelo de comida.
As mãos retas, crispadas como um playmobil, acompanhando com ênfase as frases mais importantes do discurso.
Os gestos: simular com as mãos o que não se deve traduzir. Descrever uma trajetória no ar para indicar AVIÃO. Um gesto mais brusco de dedos que se abrem para demonstrar o p como consoante mais explosiva em relação ao b.
Vez ou outra experimento a sensação de relaxamento ao meditar. Sigo comandos inaudíveis: relaxe os dedos dos pés, a palma dos pés, o peito dos pés, o calcanhar, solte os joelhos, a parte detrás dos joelhos, relaxe os músculos da coxa, a pélvis. Nesse ponto encontro as mãos: as palmas estão viradas pra cima, leve e confortavelmente afastadas do corpo. Relaxe os dedos, relaxe o pulso, e de repente não tenho mais mãos. sou um ser levitando. Tenho a consciência de que algo me limita em relação ao meu ambiente, mas não existe mais "mãos", o peso parece uma mentira.
Desperto aos poucos, quando o corpo exige, com um misto de sono, torpor, bem estar. Espreguiço feito gato, imponho força às mãos, ao gesto de abrir e fechar as mãos, expandir, separar os dedos. Volto a possuir limites visíveis, palpáveis, carne, peso. Exercício de existência.