domingo, junho 14, 2015

Poesias

Há, sim, poesia no mundo. Tenho um conhecido que escreve naturalmente: conta as histórias de sua pequena cidade, documentando acontecimentos e figuras célebres que só a vida no interior sabe fabricar. Quando nos vemos - ainda que raramente - eu tenho a sensação de que ele, ali na minha frente, é sem dúvidas o mesmo cara que escreve; ele vive o que escreve, não finge, não produz artificialmente. Ele fala de coisas comuns, banais, da vida simples. Quando o leio é como se o visse, quando o vejo, é como se sua figura materializasse sua escrita. Há pessoas inerentemente, genuinamente poéticas. 

Aos poucos me torno consciente do que sou. Eu sou o que faço? Sou minha profissão? Ou minha profissão é uma ocupação?

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Agora entendo, um pouco, o que quer dizer Thomas Mann, mas ainda por terceiros - pelas lentes de Luchino Visconti. Morte em Veneza é o artista perturbado, o passado castrador, a pergunta "o que me tornei, que caminho escolhi?" incessante. É o intenso mundo interior enquanto o exterior explode, queima. O peso de uma obsessão contra a realização do conceito: você trocaria o belo pela promessa de pequena eternidade contida na proteção à saúde? Todo o sentimento renegado, subjugado, vem à tona nas curvas do cabelo e do corpo, no nariz imponente e na postura nobre. Morte em Veneza é belo e triste, disseram; é arrastado, planos longos, horizontes, suor e tinta escorrendo, barulho de talheres e expressões levemente mórbidas.